terça-feira, 19 de novembro de 2013

SE CAMINHO NA PERIFERIA DO ABISMO

O calor de um beijo elevou-me à condição De humano. Redondo, suave, perfeito, teu. O nosso beijo que o teu beijo me ensinou. Se me beijas dessa forma preenches o meu Habitat com o delicado agridoce do amor. Vivo, naturalmente, de mãos dadas com o abismo, E o abismo só existe porque tenho medo. Por isso a minha ação é apenas reação. Por isso evito olhar para baixo, olho para a frente E olho para cima, olho para trás e para os lados. Mas nunca olho para baixo. Beijas-me a cara, o algodão das tuas Mãos envolvem com firmeza o meu pescoço, Nesse gesto que me conforta e anima, Enquanto o tempo para e eu me deixo demorar, Para evitar olhar para baixo, persistindo na humanidade. Nunca olhei para baixo, e sem olhar Imagino-o escuro, sem qualquer foco de luz. Conservo o mistério do abismo, Embora caminhe na sua periferia, Com breves Intermitências, como esta em que nos beijamos. E sem querer, quero-te mais. Recuso a espera de quem encontrou Sem procurar. E se parar, vou olhar para baixo E perceber que já morri, o abismo sou eu e já morri. Filipe Ricardo Silva Cunha Vila Nova de Gaia 19 de Novembro de 2013

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Procurar o invisível


 
Procuramos o invisível de olhos bem abertos,

Se o conseguires ver, nem que seja por instantes

Então não é verdadeiro.

O invisível só pode ser alcançado de olhos vendados,

Recolhido no silêncio, que abafa as interjeições no caos

Do desejo de abraçar o mundo todo de uma só vez!

 

Neste confronto com o invisível, a respiração abranda sem se importar

Com o avançar das horas, sem acelerar o coração envergonhado

Que procura à sua volta sem sair do lugar.


Como os nossos corpos sós num quarto á meia luz

Desvendando o horizonte longínquo,

Enquanto pela janela semi aberta sopra a magia da brisa

Que nos toca sem desvendar a totalidade da sua força.

 

Se conseguires ver o invisível de olhos fechados,

Num quarto à meia-luz, então vais livre, vais depressa

E sem medo, longe do tempo das perguntas que apagavam

O chão e nos faziam voar sem termos asas. O abismo perde o encanto

Quando se cai a primeira vez e a perseverança no erro é a teimosia

Dos vencidos, que não ambicionam reconhecer

A luz que se esconde por detrás das trevas.

 

Não se perde a esperança,

Quando este é o tempo

Que nos molda os dedos aos anéis  

Que partilhamos

Na descoberta do invisível.

 
Filipe R S Cunha,
26 de Setembro de 2013,
 
Vila Nova de Gaia

 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

As intermitências do desejo


 
 
Paro, escuto, oiço um pim pim, é a força interior

Que não reconhece limites

Mesmo se o dia já vai longo.

A voz permanece de veludo

Mesmo se houver dor,

Mesmo se os desejos forem adiados para amanhã.

 

E o desejo era o simples por de sol, revestido de verdade e de fantasia

Que quem sabe lavasse o pecado capital

Suspenso na chama que se apaga lentamente,

Enquanto o sol se esconde envergonhado mas sereno, melancólico,

Brilhando cada vez mais forte do outro lado do mundo.

E a intermitência do desejo permanece predestinada

Ao vai e vem.

 

Paro, olho, e faço de conta que te conheço,

Mas não és como eu te vejo,

És muito mais do que um abraço,

És o melhor dos lados. És o branco quando só vejo preto.

 

E o cansaço é apenas uma condição que se dissolve sobre a força

Que vem de dentro, poderosa, estridente, feia, suada,

Capaz de mover os nossos corpos asténicos

Sem que os músculos se colapsem em Caimbras.

 

Adiam-se desejos, que se concretizam

Sobre a forma da juventude que ainda enfrento

Cara a cara,

Com a naturalidade dos sonhos

Que temos nos lugares onde sabemos que queremos estar,

Quer estejamos em cima ou em baixo

Dos detalhes

Que compõem a vida dos distraídos.

 

Lembras-te? quando o vento soprava forte

E nos arrastava para longe?

O céu era escuro

E o desejo

Uma memória.

Lembra-te e depois esquece,

Hoje cumpre-se o verde das folhas das árvores

Amadurecendo ao Sol,

Baloiçando à brisa que as quer ver a dançar.
 
 
Filipe R S Cunha,
17 de Setembro de 2013
Vila Nova de Gaia,

sábado, 7 de setembro de 2013

O medo que te faz vibrar


O som da música era o mel que te iluminava o rosto

Mas a tua alma enlouqueceu.

Mas, cuidado,

Um movimento vibratório deu vida às cordas vocais,

Incendiou a garganta

Vermelha e revolveu o estado catatónico

Do teu ser

Enquanto a acidez gástrica desfazia a garganta.

 

As tuas mãos, frias, seguravam com firmeza o vazio que te congelava os ossos

E te repunha as emoções num estado de requinte longínquo.

A exposição demorada ao gelo desfaz as carnes e estala os ossos

Por isso as partículas que te envolvem em tédio

Afastam-te o vazio para longe.

É melhor um bom tédio que um mau vazio.

 

Embora permaneças quieta, entorpecida e neutralizada

Deixas de lutar contra o atrito do pensamento obsessivo

E deslizas sobre o ar quente deste pôr de sol.

E por instantes, a magia consuma-se

Quando tudo deixa de resultar,

Pois, a mentira derrete-se na fronteira

Entre o inferno e o abismo em que a verdade é a própria mentira.

 

Espera, escuta…começou a chover,

Corres em direção à chuva,

A abundância de água envolve o teu rosto emagrecido

Correndo como um rio sobre o leito

Das tuas rugas.

Encharcaste a roupa toda,

As gotas, uma após outra, meigas e quentes,

Lavaram-te a face,

O cheiro a terra molhada alivia-te a náusea superficial

E lá ao fundo o relâmpago, poderoso, alivia o seu poder

Excessivo, gastando-se na totalidade enquanto ilumina

A noite de forma temível. Fechas os olhos. Sorris. Encolhes os ombros

E respiras fundo esta essência perfeita.

 

O raio do relâmpago, uma seta de fogo e medo,

O medo que te fez vibrar.

Terá o medo um papel importante

Na equação da tua vida? É que não quero que sejas uma constante

Onde o fim é um ponto de exclamação

Nobre demais para se esquecer a liberdade.
 
 
07 de Setembro de 2013,
 
Filipe Ricardo Silva Cunha,
Vila Nova de Gaia

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Deixo de me sentir, começo a sentir



 
 

 
 

Deixo de sentir a corda apertada,
Deixo de resistir ao poder da adrenalina,
Volto a mover-me, lentamente, convicto
Da direcção que o meu corpo toma, rodo sobre mim próprio,
A cabeça olha por cima do ombro relaxado. Este é o momento,
Este é o ponto de viragem em que volto a viver,
Porque te vejo de novo, claramente.
A dúvida da miragem
Desaparece, serenamente. A decisão agita-se como notas de música,
Como as teclas do piano de Nyman são o meio pelo qual
Os seus dedos produzem felicidade, no ar e na distância entre o som
O ouvido e o coração. Essa é a distância entre coisa nenhuma e o amor
Que nunca termina. O ar cúmplice de um ser, de dois seres, de muitos seres.
Deixo de me sentir, começo a sentir.
Um tempo longínquo persiste e aumenta, todos os dias, todas as horas,
Minutos e segundos desde um lugar que ocupa um espaço de memória.
E nesse espaço, também rodei sobre mim próprio
Em direcção aos teus olhos que cintilavam a dávida das tuas mãos, limpas, suaves,
Cuidadas e Cuidadosas.
Um corte envolveu-me numa reflexão inútil e fraudulenta, convencido pela sujidade
Que trazia conservada de outros apertares de mão.
Por fim o poder da história conduz-me ao presente
Em que a voz é suficiente, em que as mãos se tocam naturalmente, os corpos se unem
Comprometidos com o esforço de amar
Só porque apetece, só porque vai apetecer sempre,
Consumir o vazio em grandes nadas,
Os dois continuam, pensando e sentindo diferente,
Antes do fim por anunciar
Por detrás de uma esquina.
E cada esquina pode ser a tal, que nos vai deter,
E fechar os olhos
De vez.
A esquina permanecerá
E não deterá mais ninguém.
E nós fomos nós,
E eu não seria eu sem ti. Eu seria outro eu.
Filipe R. S. Cunha,
Vila Nova de Gaia,
29 de Agosto de 2013.