domingo, 24 de março de 2013

Eu sou um inconsciente em cima e um consciente em baixo






"A decadência é a perda total da inconsciência, porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração se pudesse pensar, pararia."

 Fernando Pessoa




Nestes dias deambulo por caminhos que desconheço
Ou que penso não conhecer,
Porque no meio da lixeira que é o meu inconsciente encontro por vezes,
Verdadeiras relíquias salvaguardadas da
Nojeira em que por vezes me julgo tornar.
Ninguém disse, nem sequer os poetas mo disseram
Que ia ser fácil movimentar-me numa sociedade
Que tanto critico, mesmo se, hipócritamente faço parte dela
E nela me revejo em certos desejos meramente decorativos
Da minha pessoa covarde.
E a moral, onde se situa neste paradoxo em que por um lado critico
E por outro faço parte? E volta a fazer sentido, uma e outra vez,
Morreria pelo que vivo?
Então o que me faz mover e seguir em frente por caminhos que não me apetecem?
Será demasiado tarde para assumir uma meia culpa entre a minha pessoa e a sintonia
Desejada coma natureza? Ou serei um ajustado por obrigação? Ou um louco? Não, louco não sou certamente, apenas me questiono porque não sei ser de outra forma. E tu? Questionas-te ou passarás o resto dos teus dias como um dependurado? Não fiques assombrado,não faz mal nenhum uma ovelha preta no meio das brancas.

Eu, por mim, persisto nas questões que me assombram, porque sou o reflexo do passado num presente que chegou tarde demais e dominado pelo inconsciente que sou eu. 

24 de Março de 2013,

Vila Nova de Gaia

quinta-feira, 21 de março de 2013

Morrer por aquilo que se vive



 

Por agora, os bombos calam os silêncios e as angustias

Que sopram de dentro para fora, como lobos famintos uivando

Ainda distantes do topo da colina, por trilhos que vão desaguar

Na alvorada fria deste primeiro dia de primavera.

 

Encosta a baixo, o último pastor à moda de antigamente,

Carrega o seu rebanho, as suas botas pesadas e cansadas e a

Sua desesperança, rumo às pastagens verdejantes onde beberá

Do seu vinho para homens de pelo na benta e mais um naco de pão
 
duro,
 
Nos limites do bolor. Neste passeio diário pela 


 
Sobrevivência,
 
duas cabras à frente, assinalam a


Passagem ao ritmo dos chocalhos.

 
Neste instante em que acordo tardiamente, o Sol já brilha, um dia
 
quente e prometedor

Aguça o meu apetite,todavia os lobos ainda não encontraram alimento,

Desejosos de cheiro a sangue, recolhem-se em espasmos,

O rebanho pastou demoradamente sobre o repouso do pastor

Que entregara o testemunho ao seu fiel amigo Dick. Os bombos

Calam-se alimentando a minha solidão.

 

Pálido, revejo-me ao espelho,

O sonho morreu face à agua fria depositada no rosto,

Fico mais um segundo, debato-me com este vestígio sobre a

Forma de uma questão, Morrerias pelo que vives? Morreria?

E o pastor, e o Dick, e os Lobos? E a Alvorada…Os da minha

Imaginação e os reais.
 
 
Vila Nova de Gaia,
21 de Março de 2013

segunda-feira, 18 de março de 2013

O cubo, o quadrado e o tempo



Quase que não tenho tempo, para que neste cubo magico, rotativo, tudo possa fazer sentido, 
O tempo escorre por entre os dedos feitos desta carne,

Desta matéria que dia após dia deixa de ser a mesma, deixa de me

Pertencer. Visto-me com

Pele,

Que lavo todas as manhas no duche de água quente, no final, sacudo

As células mortas,

Exaustas, de esconderem a minha vergonha. E logo outras células,

Outra pele, copia das

Anteriores, embora menos encantadoras, substituem o lugar das

Antigas.

Todos os dias são assim, preso a um cubo de tempo, multi

Dimensional,

Onde guardo as maravilhas de um tempo incerto que registo com

Dificuldade. Um tempo, uma

Vida e um cubo. Nele, estão presentes as minhas memorias, os

Momentos mais marcantes da

Minha existência, por agora pontual. No cubo, outros elementos por

Decifrar são o que me

Resta viver. Um vazio vai tomando conta de tudo, sobretudo do

Passado, amordaçado por

Uma força monstruosa que me impele a seguir em frente.

Num futuro mais ou menos distante, a regeneração será um cabo do

medo que se vencerá

Com muita

Dificuldade. Quando a partitura da música da vida se quebrar, o cubo

Será apenas um

Quadrado,

Onde a memoria, subjugada às

Lesões e a outros maus tratos sobreviverá, por conta de uns poucos

Neurónios guerreiros

Mas fragilizados, cansados, feridos,

Desmielinizados, perderá um pouco da sua importância, por enquanto

Exagerada. O corpo ágil,

Tonificado e almofadado perderá o seu fulgor, mas nunca a sua

Beleza, nunca

O seu encanto de mortalidade. O mistério da incerteza  permanecerá

Até ao último suspiro, até

Ao momento da libertação deste cubo, que com sorte será um

Quadrado E depois um suspiro
Cósmico 

De 21 gramas, no culminar de uma equação matemática em que na

Realidade tudo se resume às

21 Gramas que nos dominam, que nos controlam e que a partir do

Nosso egoísmo humano

Ignoramos completamente.
 
 
18 de Março de 2013,
 
Vila Nova de Gaia

sexta-feira, 15 de março de 2013

A arte ganha força quando sai do inconsciente


 

Deparo-me, regularmente, com uma folha em branco. Genuína, encontra-se num estado de pureza absoluta.
Sucedem-se horas em que as folhas em branco permanecem invioláveis. Um desejo de profanação cresce em mim a cada momento. Nasce um conflito, uma luta pelas palavras certas onde o acaso perde o seu lugar. Renasço para uma luta desigual em que perco o norte, o domínio deste agora que deixa de me pertencer. O meu olhar fixa-se na nudez dessa folha maldita que me desafia de novo. A luz, reflexo da cor branca cega-me finalmente. Os meus sentidos vão adormecendo um a um. Neste estado soporífero, acordo para o preto dominante do inconsciente que ganha vida própria, apoderando-se, do que resta de mim.
O valor das palavras é a sua consequência. A folha em branco ganha uma identidade. O homem torna-se a génese da identidade da Ex folha em branco, agora, mesclada numa anastomose de palavras, papel e tinta. A folha em branco perdeu-se de vez, jamais voltara a ser uma folha em branco. Esta foi a sua única oportunidade de uma existência plena e feliz. Eu assumo a minha inocência, foi o meu inconsciente o culpado por esta criação. Um jardim de flores, uma criatura malvada, um sussurro que tenta passar despercebido? Seja qual for o resultado criado, volto a abrir os olhos, a vestir-me de razão. Saio para a rua.
Mais uma folha em branco, que se perdeu nas minhas mãos. Ainda assim a folha em branco ganha uma nova vida, que eu próprio ignorava. Do inconsciente verteram-se palavras e emoções em estado selvagem.
A arte de escrever por via de um fechar de olhos sobre a luz que brota da vida, escutando e perscrutando a escuridão de um mundo interior desconhecido. Uma viagem ora bela, ora medonha sobre o medo que desafia a imobilidade, porque a arte ganha força quando sai do inconsciente.

15 de março de 2013

Vila Nova de Gaia