segunda-feira, 22 de abril de 2013

Uma tarde na infância que dura até hoje






Percebo no teu olhar um sorriso

Que não desiste de melhores dias,

Enquanto a saudade te aperta os vasos sanguíneos

Jorrando sangue de dentro para fora.

 

A felicidade, trancou-te a porta, mas

As tuas mãos de pele dura e calos gordos,

Ainda têm utilidade. A mente aberta fura o túnel

Que te liberta do beco sem saída.

 

Ris-te mais uma vez enquanto queimas os últimos

Cartuchos e no estômago se fermenta a seriedade

Que te permite sonhar, procurar um lugar

Onde o amor se concretize definitivamente.

 

Neste ponto de tempo da minha melancolia sagrada,

Sirvo-te estas palavras, velho amigo, de uma só tarde

De infância. Uma só tarde que dura até hoje. O resto é só

O tempo que nos come os ossos.
 
Filipe Cunha
22 de Abril de 2013,
Vila Nova de Gaia

 

 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Bater à porta da eternidade



Mais uma vez bato à porta da certeza
Que teima em ameaçar o equilíbrio
Da relatividade.
E do outro lado apenas silêncio.

Mais uma vez bato à porta da dúvida
Que me rouba o descanso
Em que me consumo.
E do outro lado apenas o eco.

E depois?
Nada, apenas a continuidade
Desta espera.
Um pedaço de tempo da vida que foge de si própria,
Rápida, inflexível, inexorável.

Mais uma vez bato à porta da certeza
Que me espera sob os meus pés.
Ela não me responde. Mas eu sei que ela está do outro lado,
Irónica, quente, ardente do desejo
De mais húmus.

Deixo de bater à porta,
 Agora o tempo é muito curto para esperar e longo demais
Para fazer o que quer que seja.
A expressão desaparece diante da melancolia
Deste momento.
Depois amanheceu,
Acordei,
Comi,
Tomei banho,
E vesti-me com a ilusão
Da eternidade,
Fugaz.

Filipe Cunha,

20 de Abril de 2013,
Porto

terça-feira, 16 de abril de 2013

Procuro o Leão no quarto deserto


 
 
 
 
Procuro o leão no quarto deserto,

Perdido que estou na fertilidade da imaginação

Que me pergunta pelo medo que tinha,

Olho à minha volta e deleito-me

Com o silêncio desta doce melancolia

Que sobrevive aos apelos do êxtase.

 

E o leão não aparece, e o medo foi rasgado,

Mastigado e engolido pelo último,

Extinguiu-se, já não o encontro.

Que faço eu aqui se perdi o grito do medo

Que me protegia dos fantasmas que empalidecem

A pele e tornam a coluna vertebral numa curvatura de cifose.



Assim sendo faço mais um furo no cinto

Que me segura as calças tão usadas

Que perderam o azul,

Enquanto esperam pelo balde do lixo,

Para depois serem trocadas por outras.

 

Prefiro as calças usadas e dou-lhes mais algum uso,

E dou-me mais uma oportunidade

De me agarrar a alguma coisa,

Porque o desejo de ser ninguém foi abalado

Pela certeza da terra

Que será a minha última e derradeira

Morada.

 

Resta-me a tristeza do ferro velho,

A alegria do amor que me mastiga,

A esperança dos meus doentes,

A empatia para conhecer outros deuses, os meus amigos,

Familiares,

Poetas mortos,

Poetas vivos sem expetativas

Da cor das palavras

Em que naufragam

Os seus sentimentos,

Os seus olhos, ouvidos, e máquinas de escrever vintage

Entre outras raízes que penetram o solo,

Desta amargura

Tremendamente

Passageira que significa, nem mais nem menos

Do que um intervalo de mim,

O intervalo que eu rejeito,

Porque se perde na falta de raça

Que prefiro bem longe da minha fome de isenção impossível.
 
 
Irreversível.
Filipe Cunha,
16 de Abril de 2013,
Vila Nova de Gaia