sábado, 22 de dezembro de 2012

Breve apontamento de Amor


 

 

 
 
 
 
 
Vivo na melancolia das minhas mãos,

Esse defeito que quebra a luz

Dos meus sorrisos,

Presentes,

Todos os dias da minha vida,

Sorrisos alegres, melancólicos,

Sorrisos fretes.
 

Eu e tu,
 

No mesmo barco

Com as mãos ao leme,

Navegando nas águas gélidas da noite polar,

Juntos na solidão desejada de cada um

Neste ponto de tempo

Caprichoso e teimoso

Que nos força a continuar

Nesta rota de Amor.
 
 
 
Juan Pérez González,
22 de Dezembro de 2012,
Vila Nova de Gaia.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

SE ME ENCONTRARES


 

 

 
 
 
 
 
 
Se me encontrares vagueando no teu regaço

Permite-me poisar a cabeça,

Numa abstinência

Do mundo

Que se move

Lá fora,

Enquanto eu me esvazio

Das minhas mágoas.

 

Mas não te iludo mais

Não te quero o meu refúgio

De beijos, carícias e vertigens,

 

Quero-te fazer a minha estrada

Onde caminho sem hesitar, preso na liberdade do destino,

Que me tranquiliza e apazigua.

 

Prometo, acordar bem cedo

Da apatia

Que me imobilizava o olhar na mancha

Que não se move

E permanece

Sempre

Na parede do quarto,


 

Esse passado maldito,

Esse passado de boémia,

Esse passado de tortura,

Esse passado que procurei e encontrei

E que agora deixo cair,

 

Por isso,

Se me distinguires

Ao longe, não te escondas

Numa máscara inventada à pressa

Que nem sequer te serve

E destrói a chama do desejo que tenho

Dos teus cabelos soltos,

Suados,

Sobre mim,

Pintando o meu corpo com esse néctar sublime,
 

Esse que é, finalmente, o momento,

Da rendição,

Decidida,

 

Do teu amor.

 

Juan Pérez Gonzalez,

Vila Nova de Gaia,

17 de Dezembro de 2012

sábado, 15 de dezembro de 2012

VERDADE ININTELIGÍVEL










Sete palavras por segundo
À tona duma mente inquieta,
Sôfrega dos desejos, repleta de ilusão,
Desta viagem profana,
Em contra relógio individual.

Uma vida apenas, mais um
Festim para os abutres,
Predadores lutando por um naco de carne
Putrefacta, abandonada à margem do carril
Do comboio de mercadorias.

Assim me sento neste sofá coçado e revejo,
Os meus trinta e tal anos a revolver o frágil
Labirinto da minha existência,
Perdido entre ramos de figueiras,
Lambidos a beijos de Judas Iscariotes,
Caçando verdades,
Que no final de contas são meras questões
De retórica com respostas inverosímeis.

Juan Pérez González,
Porto,
15 De Dezembro de 2012

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

DESINCORPORADO


 
 
 
 
 
 
 
Dois minutos seguidos sem um raio de luz,

Com a janela aberta,
 
Deitado sobre a cama despida de agasalho,

Onde o meu corpo se acomoda no mais profundo jazer,

Sem qualquer pudor,

Sem qualquer memória,

Sem qualquer melancolia,

Sem qualquer prazer ou desprazer,

Sem qualquer movimento vital,

 

 

Vivo ainda

Uma ideia que resiste,

Que fortalece o lacrado do baú sustentado

Sobre o prato da balança que comanda o acto de decidir
 
Pela minha própria cabeça,

 

Viver vivendo depressa ou viver morrendo

Devagar, ao sabor,

Do autêntico Dunhill em passas pausadas,

Pensando,

Nos,

 

Dois minutos ausente,

 

Do meu corpo ,

Do meu ser,

Da minha vida, num despreendimento total,

Dos caminhos, das viagens, das decisões,

Do Norte e do Sul,

Este e Oeste,

Desincorporado,

Desalmado,

Nu.
 
 
 
Juan Pérez González,
Vila Nova de Gaia,
14 de Dezembro de 2012

domingo, 9 de dezembro de 2012

Acorda Portugal dos sonhos de encantar













Um caminho
De luz e trevas, que percorro descalço,
Sem preconceitos de montada,
porque floresço dantescamente
Na escuridão da noite
Deste país contaminado
Por agiotas e pseudo poderosos que ditam
A fome dos meus irmãos
De sangue desta nação,
Verde da esperança
Lancetada no vermelho do
Sangue que escorre das veias
Dos aventurosos antepassados
colecionadores de colónias.

Portugal eu te quero como antes
Mesmo do ouro rubro
Fundido em barras amarelas
Que troco pela tua união
Preto no branco do papel.

Juan Pérez González,

09/12/2012,

Porto.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

LUFADA DE AR FRESCO


 
 
 








 
 

 
Neste dia frio de outono

Em que anseio por renascer.

Outra vez,

De ossos regelados,

Mastigo uma chiclete

Cansada e sem sabor,

 

De um dia como os outros

Cheio de melancolia destruidora

De muitos começos, inacabados,

Que vingam e ameaçam

A continuidade

De uma vida cheia.

 

Trago comigo

O Sol que não aquece

O sorriso,

Suspenso numa incerteza

Do vazio que teima

Em alastrar.

 

Os passos, seguem sozinhos,

Enquanto os pés continuam de olhos fechados,

Carregando o peso morto
 
Deste cadáver pós moderno,
 
Sem se opor e sem reclamar
 
Um banho de sais e água quente.




Quando subitamente,

O passeio aparece vestido

Da nudez das árvores,

Com folhas verdes, amarelas,
 
Castanhas e vermelhas,

Espalhadas na calçada,
 
 
Embelezando o caminho
 
De uma lufada de ar fresco.
 
 
 
Juan Pérez González,
 
7 de Dezembro de 2012,
Vila Nova de Gaia
 

 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

UM ESQUECER QUALQUER


 
 
 
 
 
 
 
 
Esqueço-me de me esquecer de ti,
A maioria das vezes,
Tal como me havias dito

Que aconteceria.
Naquela noite de lençóis,

E dois corações famintos
Lambendo feridas

De tempos longínquos.
 

Numa bebedeira, de vontades
Acesas, num propósito

De satisfação de um desejo
Poderoso de carne e osso e sangue.

 

Antes disso, os dois sentados no sofá,
Gasto pelas sessões de cinema domingueiro,

Numa envolvência de Yann Tiersen

E do fabuloso destino de Amélie Poulin.
Enquanto lá fora, o frio de outono que mal chegara e já

Começava a estalar os ossos de leite.

 

Também os nossos corações, gelados de terror,
Do silêncio que abunda nesta terra

Deserta do fim do mundo,
Que coberta de geada, anseia pelas pegadas de barulho,

Num contacto que a molde de presença humana.

 
Cumpre-se a tua profecia,
Pouco crente num deus maior,

Para os dois,

Porque somos demasiado grandes
De um nada mortal,

Para o podermos partilhar,
Um com o outro,

E por isso, o rejeitamos,

 
Ainda que não te possa esquecer,

 
Até conhecer outra pessoa.
 
Juan Pérez González,
 
14 de Novembro de 2012,
 
Vila Nova de Gaia.

domingo, 28 de outubro de 2012

As palavras que não visto no escuro














Um nó de palavras mortas à nascença
Na garganta de todos os dias,
Nas cordas vocais edemaciadas do tabaco
Que não apetece. Nunca apetece. Algumas vezes apetece.

Vejo-te nua, descomplexada,
Numa explosão interior
Coordenada à distância
Do que não invocas e odeias.

E o teu olhar finta-me
Como outrora o Paulo Futre
Antes do arranque
Para o golo documentado.

O teu olhar evita-me
Num resto de domínio
Dos sentimentos e emoções a abarrotar,
Desejando a noite de repouso porque amanhã é outro dia
E eu estou cansada,
Desfigurada daquilo que me achava. E afinal, talvez agora
A descoberta de sangue na boca
E epistáxis jorrando do interior
Do coração outrora acelerado,
Mas agora descompassado.

Espero, mais um segundo
Observando em primeira mão
A descoberta de ti,

Perante ti mesma.

Tento falar,
Mas as palavras continuam mortas
Sobre a forma de palavras ou pedras que não conseguem
Fugir de mim!

Se ao menos tivesse
Coragem de atirar com aqueles tomates,
Tomates por pelar
Na manifestação
Da assembleia da tomatina.

Ou pelo menos Vinho do Porto cá em casa,
Ou melhor, vinho da Madeira,
Talvez assim
O nó que me aperta e estrangula se torna-se mais

Doce de esperança.

Juan Perez Gonzalez,
Vila Nova de Gaia,
28 de Outubro de 2012.

domingo, 21 de outubro de 2012

Comer cerejas e outros frutos vermelhos



Paro o carro no largo à beira da estrada. Compro um saco de cerejas de Alfândega da Fé. Percorro mais alguns Quilómetros. Deparo-me com uma paisagem de verde e vermelho da terra quente. Provo as cerejas frescas. O sabor doce das cerejas mistura-se caprichoso envolvendo a saliva murcha da minha boca seca. Uma invasão desejada de vermelho na saliva, na garganta, no estômago e mais tarde nos intestinos.

O Sol deita-se descansando sobre as montanhas vestidas de primavera. A montanha submissa perante a cresta precoce parece expandir-se. Como cerejas deleitando-me com a paisagem montanhosa. Atiro com os caroços pela janela do carro, cuspindo-os com violência sobre a terra alaranjada num desperdício de fecundidade. Os caroços das cerejas como o nó que trago na garganta vermelha. Como as palavras que nunca te direi numa expulsão de sentimentos reprimidos. Os caroços como duas nuvens de fumo pelos olhos dentro embaciando a visão de ardor. Os olhos vermelhos de ardor.

Cego imagino-te vestida de um nu vermelho. O vermelho dos frutos que te abraçam e envolvem tornando-te cada vez mais doce e humanamente irresistível. É neste momento que me levas sem pedir perdão num orgulho que não cede o seu lugar à tentação prometida. Sem hesitar. Aproximas-te devagar num passo seguro. Tocas-me e logo me tinges de vermelho.

Largo esta aparição de ti, envolvida em frutos vermelhos e sigo viagem. No céu o Sol permanece dominador, fertilizador, germinando as terras outrora impenetráveis do gelo invernal. A terra velha aceita os raios luminosos como bênçãos, saciada que está da sede do verão passado. Também tu mulher de vermelho me fazes corar nesta alucinação de ti. Confundes-me, ofuscas-me mas aceito esta condição que me sufoca e sara. As feridas de sangue coagulado cicatrizam finalmente libertando-se do leito necrosado.

Já é por do Sol, intenso, misterioso despedindo-se de um dia brilhante que se apaga enquanto a lua se pendura no topo do mundo, onde deve estar. O Sol muito distante dá tréguas ao chão enjoado de calor. Num só dia torna-se seco à superfície. Sigo de novo numa estrada mais estreita. O caminho faz-se agora numa estrada mais estreita da povoação. Fico mais perto do lugar onde outrora caminhas-te descalça sobre o chão. Nesse lugar onde comi as melhores cerejas da minha vida.

Juan Perez Gonzalez,

Maia, Porto,

22 de Outubro de 2012

DOIS CORPOS, DUAS ALMAS NUM SÓ DEUS
















Alguns anos à solta
Até aqui chegares.

Sem medo seguiste o teu caminho,
E a água do teu moinho
O faz girar, sem parar,
Como a flauta de ar a assobiar.

As línguas sabes muitas,
Mas a tua alma é lusitana.
O teu fado é universal,
E a tua música é transversal.

És um cidadão do mundo,
Um músico a fundo,
Pois, não perdes um segundo.
A vida toda por inteiro
Num amor verdadeiro.

Ela, nórdica, ele, latino, anastomose que dura,
A música, a ponte entre ambos.
Clave de sol o inicio da partitura,
Composição incompleta, nos tempos,
Duma viagem com propósito.

As notas, todas ao vosso dispor,
Para melodias compor.
Uma peça musical, de vocação,
Elevando o coração.
Assim verão nascer e crescer
A vossa semente em flor, sem esmorecer.

És um viajante eterno,
Mas agora, é certo,
Um navio, que chegou ao seu porto.

Duas famílias nesta hora unidas,
Num amor divino a Deus,
Uma verdade partilhada
Neste enlace presenciado.

Os nossos corações anseiam
Uma vida longa de comunhão,
Dois corpos de vontades meias,
Tornam-se duas almas cheias.

Resta-nos em uníssono declarar:
Rodeiem-se de música, amor e carinho sem parar
O vosso amor é para continuar.


Juan Perez Gonzalez

19 de Julho de 2012,

Vila Nova de Gaia

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Saber dançar em vez de ficar a ver



Gosto de vaguear. Na cidade ou no campo desde que possa percorrer os caminhos, os trilhos ou as ruelas sem qualquer destino mas com toda a tranquilidade e serenidade. A cidade do Porto é um belo exemplo. Gosto de andar libertino pelas ruelas estreitas da velha cidade. Adoro as fachadas velhas e quase ruinosas que lhe conferem um certo ar antigo.
É fácil perder-me entre os aromas vindos das tascas, a prenuncia á “Puerto”, os gritos das crianças ribeirinhas ao saltarem para o Rio Douro do alto da Ponte de Dão Luís, enquanto estrangeiros extasiados batem palmas incrédulas e temerosas. Não gosto de vaguear por entre carros e buzinas de condutores impacientes.
Muitas vezes paro alguns minutos olhando em meu redor tornando-me num figurino da própria paisagem. Parado penso em Nanni Moretti passeando de vespa pelos bairros históricos de Roma. Nanni Moretti dançando alegremente em cima da sua vespa. Dançando com a vespa.  Como seria bela a Roma dos anos 70, como seria bela a cidade do Porto de há 30 anos atrás. Eu e Moretti os dois parvos solitários em busca do belo, enquanto outros se atropelam em centros comerciais domingueiros. O belo diante dos nossos olhos exaltados e fartos.
Continuo a caminhar e a pensar na forma como me fascina a vida quotidiana. A minha vida e a vida dos outros que me envolvem. E sigo o meu monólogo - Moretti porque é que o mínimo raio de luz me interrompe o sono inquieto, porque é que só conseguimos dormir na total escuridão, porque nos Incomóda o ruído e o carro parado nos engarrafamentos da hora de ponta? Porque é que preferimos transportes públicos, cinemas vazios, flores e recortes de jornais guardados nas gavetas?
Moretti faz-me a vontade e responde-me no seu filme “Querido diário”. “ O meu sonho era saber dançar bem em vez de ficar só a ver”. Eu sinto o mesmo. Desde pequeno que a dança exerce sobre mim um encantamento arrebatador. Mas nunca soube dançar. Nunca soube dançar bem. E por isso sempre me limitei a ver dançar. A dança é a doçura e a agilidade. Será por isso que sou mau orador mas bom ouvinte?. Tal como esta cidade de contrastes gosto de ver e ouvir os brilhantes e os fracos, os humanistas e os egoístas. Aprecio a diversidade e aceito ser um caixote do lixo das porcarias vomitadas das bocas sujas de uns como aceito ser um baú de palavras envolvidas em beijos húmidos de um desejo de pureza paz e cooperação. Como gostaria de visitar Roma e Auschwitz ladeado pelo Nanni Moretti. Eu seguiria calado ouvindo Moretti. Aprendendo com o Moretti a magia de se saber observar deduzindo verdades inatingíveis.

Passo horas seguidas na ruas e ruelas da cidade do Porto observando fachadas luxuosas ao lado de ruínas decadentes numa cidade bipolar. Imagino as crianças dos anos 70 a brincar nestas mesmas ruas. Essas crianças também saltavam do alto da ponte Dão Luís para o rio Douro? Não sei, mas provavelmente hoje já só brincam aos domingos á tarde com os netos. Quem me dera saber dançar porque estou cansado de estar parado no meu canto a ver dançar. Vejo sentado na tribuna do teatro da vida o mundo nu a dançar á minha frente mas a música essa já acabou.
 
Juan Perez Gonzalez,
 
18 de Outubro de 2012,
Vila Nova de Gaia

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Um beijo na escuridão

 
 
 
 
 
 
Caminhavamos juntos. Seguiamos conversando. Conversas confusas e quase banais. Enquanto caminhavamos sentia-te toda dentro do meu corpo sem sequer te tocar. Sem te olhar via-te nua. Mal te conhecia mas sentia-te como parte escondida de mim durante toda a minha vida.
 
Sem te apalpar sentia os teus seios nas minhas mãos. A pele macia das minhas mãos de 18 anos na pele ainda mais suave e sensível dos teus seios. Mesmo a um país de distância ainda hoje seria capaz de sentir o teu cheiro e o teu perfume. Misturados o teu cheiro e o teu perfume até á eternidade. Mesmo sem te beijar bebia da tua boca devagar e com gosto.
 
Por isso pegamos na garrafa de Martini ainda meio cheia e deixamos-la rebolar estridentemente pela rua a baixo. - Cuidado que aí vai garrafa. A garrafa solitária que estava a mais. Inserida no meio de nós como um estorvo doce e desinibido. Um estorvo bom que já não faz falta. E atiramos-nos para o chão soltando gargalhadas adolescentes.
É caso para dizer que foi uma verdadeira loucura. Uma insanidade comum dos nossos 18 anos. 
 
Mais tarde deitamos-nos ainda ébrios. Juntos escutava-mos o silêncio do universo. Interpretavamos o silêncio com astucia e medo. Estávamos juntos? Não sei. Só sei que estávamos na mesma cama cada um a pensar e a sentir por si.Eu sentia o meu coração bater forte e cheio de vontade de te tocar. lembro-me que tinha a cabeça encostada no teu peito igualmente aflito. Mas os nossos corações não se tocaram esborrachados contra a caixa torácica. Deitados, eramos tão próximos mas tão distantes. Longe um do outro e longe do mundo esquecido hà longas horas. A escuridão era um alívio curto mas intenso o suficiente para valer a pena. Mas esse ruído entre nós era tão longínquo que não nos voltamos a ver Linda Martini.


Juan Perez Gonzalez

Vila Nova de Gaia,

15 de Outubro de 2012.

 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Eu Al Berto e o pouco que escrevo





Entro no escritório e fecho a porta. Deixo-me estar sozinho algum tempo. Ligo o computador. Espero alguns minutos enquanto o computador inicia. Entediado espero sentado na cadeira. Por momentos olho fixamente a porta fechada. O mundo a sua humanidade e a falta dela ficam lá fora. Ficam do lado de fora da porta. Para lá da porta e para lá deste apartamento.

Abro uma folha de word como se abrisse uma garrafa de vinho do Porto. Estou pronto para digitar símbolos que são letras, códigos de uma escrita perceptível. O código é a língua Portuguesa acessível a todos. Escrevo sobre tudo o que quero sem qualquer vergonha da dignidade das minhas experiências. Algumas vividas na primeira pessoa. Outras bebidas da boca de outros. Deleito-me observando, admirando, perguntando, sem julgar numa atitude quantas vezes passiva, quase de submissão. Escrevo em Português mas nem todos os portugueses entendem a minha escrita. Alguns riem numa demonstração clara de não indiferença. Satisfaz-me o riso como me satisfaz a crítica.
Escrevo com a pureza cristalina da mente num registo próximo da loucura. Não penso as palavras que se tornam depósitos espontâneos do momento presente. Um momento que pouco vale perante a imensidão do passado e pela incerteza do futuro. Escrevo próximo do fim da humanidade. Uma humanidade moribunda que no final da história morrerá para renascer. Por via da escrita cresce subitamente uma humanidade que é Vénus no céu limpo da noite.

 No pouco que escrevi procurei uma explosão de amor pela vida. Abro-me democraticamente aos outros ouvindo ás vezes por pura diversão. A explosão ainda não sucedeu no pouco que escrevi. Seria uma libertação perfeita do fluxo que existe na minha mente. Não aconteceu talvez porque ainda não aceitei como verdade absoluta a perda eterna. Como não aceitei ainda a morte do Al Berto.
Olho de novo para a porta e quase que consigo ver Al Berto cheio de medo a vaguear pelas ruas frias e desertas na alvorada. Al Berto á procura de um movimento mais próprio do amanhecer. Cansado de melancolia nocturna. Al Berto também escreve pouco porque prefere viver. E vive muito. Vive muito e escreve pouco. Mesmo vazio de palavras mudas. Mesmo morto. Al Berto desfigurado como eu. Vou ao espelho e vejo por baixo da mascara em carne viva. Em carne viva a minha face.

 Por isso gosto pouco de escrever, porque me cansa e porque me liberta em simultâneo. Porque gosto muito de viver. Porque vivo sentindo as coisas. E porque não tenho pejo em partilhar a minha verdade mesmo que adornada de loucura. Mesmo quando a verdade é apenas uma imaginação ou um suspiro. Ou um cheiro, uma textura, uma sensação, uma cor. Mesmo se a verdade for uma mentira inventada á pressa pelo desejo de interromper o trago azedo do monótono. Mesmo que tenha de adulterar as imagens. Assim agarro as imagens sossegadas. Toco-as e retoco-as. Sem pensar.


Juan Perez Gonzalez,

Diário - 3

12 de Outubro de 2012

Vila Nova de Gaia