sexta-feira, 15 de março de 2013

A arte ganha força quando sai do inconsciente


 

Deparo-me, regularmente, com uma folha em branco. Genuína, encontra-se num estado de pureza absoluta.
Sucedem-se horas em que as folhas em branco permanecem invioláveis. Um desejo de profanação cresce em mim a cada momento. Nasce um conflito, uma luta pelas palavras certas onde o acaso perde o seu lugar. Renasço para uma luta desigual em que perco o norte, o domínio deste agora que deixa de me pertencer. O meu olhar fixa-se na nudez dessa folha maldita que me desafia de novo. A luz, reflexo da cor branca cega-me finalmente. Os meus sentidos vão adormecendo um a um. Neste estado soporífero, acordo para o preto dominante do inconsciente que ganha vida própria, apoderando-se, do que resta de mim.
O valor das palavras é a sua consequência. A folha em branco ganha uma identidade. O homem torna-se a génese da identidade da Ex folha em branco, agora, mesclada numa anastomose de palavras, papel e tinta. A folha em branco perdeu-se de vez, jamais voltara a ser uma folha em branco. Esta foi a sua única oportunidade de uma existência plena e feliz. Eu assumo a minha inocência, foi o meu inconsciente o culpado por esta criação. Um jardim de flores, uma criatura malvada, um sussurro que tenta passar despercebido? Seja qual for o resultado criado, volto a abrir os olhos, a vestir-me de razão. Saio para a rua.
Mais uma folha em branco, que se perdeu nas minhas mãos. Ainda assim a folha em branco ganha uma nova vida, que eu próprio ignorava. Do inconsciente verteram-se palavras e emoções em estado selvagem.
A arte de escrever por via de um fechar de olhos sobre a luz que brota da vida, escutando e perscrutando a escuridão de um mundo interior desconhecido. Uma viagem ora bela, ora medonha sobre o medo que desafia a imobilidade, porque a arte ganha força quando sai do inconsciente.

15 de março de 2013

Vila Nova de Gaia

1 comentário:

  1. Filipe, adorei este texto. A minha folha em branco também surge diante de mim com a mesma violência, a sua brancura desafia-me e frustra-me, a um nível que não julguei possível. O que antes era um prazer, agora é um emaranhado de palavras atropeladas em si mesmas, um pensamento embotado, estéril e amorfo. Fico feliz por ainda teres esse caminho aberto, ainda que sofrível, com o teu inconsciente. A arte brota assim sem filtro, como se escrever fosse uma criação inédita no mundo, como se fôssemos um pequeno deus. Que saudades, que saudades dessa folha em branco em breve preenchida...
    Cumprimentos camarada revolucionário

    ResponderEliminar