Entro no escritório e fecho a porta. Deixo-me estar sozinho
algum tempo. Ligo o computador. Espero alguns minutos enquanto o computador
inicia. Entediado espero sentado na cadeira. Por momentos olho fixamente a porta fechada. O
mundo a sua humanidade e a falta dela ficam lá fora. Ficam do lado de fora da
porta. Para lá da porta e para lá deste apartamento.
Abro uma folha de word como se abrisse uma garrafa de vinho do Porto. Estou pronto para digitar símbolos que
são letras, códigos de uma escrita perceptível. O código é a língua Portuguesa
acessível a todos. Escrevo sobre tudo o que quero sem qualquer vergonha da
dignidade das minhas experiências. Algumas vividas na primeira pessoa. Outras
bebidas da boca de outros. Deleito-me observando, admirando, perguntando, sem
julgar numa atitude quantas vezes passiva, quase de submissão. Escrevo em Português
mas nem todos os portugueses entendem a minha escrita. Alguns riem numa
demonstração clara de não indiferença. Satisfaz-me o riso como me satisfaz a
crítica.
Escrevo com a pureza cristalina da mente num registo próximo da
loucura. Não penso as palavras que se tornam depósitos espontâneos do momento
presente. Um momento que pouco vale perante a imensidão do passado e pela incerteza do futuro. Escrevo próximo do fim da humanidade. Uma
humanidade moribunda que no final da história morrerá para renascer. Por via da
escrita cresce subitamente uma humanidade que é Vénus no céu limpo da noite.
Olho de novo para a porta e quase que consigo ver Al Berto cheio
de medo a vaguear pelas ruas frias e desertas na alvorada. Al Berto á procura de um
movimento mais próprio do amanhecer. Cansado de melancolia nocturna. Al Berto
também escreve pouco porque prefere viver. E vive muito. Vive muito e escreve
pouco. Mesmo vazio de palavras mudas. Mesmo morto. Al Berto desfigurado como
eu. Vou ao espelho e vejo por baixo da mascara em carne viva. Em carne viva a minha face.
Juan Perez Gonzalez,
Diário - 3
12 de Outubro de 2012
Vila Nova de Gaia
"Escreve pouco porque prefere viver" Na verdade, escrever não é viver. Às vezes escrever é o que permite viver, porque quem vive acordado, tem de ter um lugar e um tempo para exorcizar os seus demónios, sob pena de sufocar em si mesmo. Escrever é ser livre, Filipe. Bjinhos
ResponderEliminarConcordo inteiramente contigo Ariana. O Homem que "vive acordado" carrega um fardo, o conhecimento. A escrita pode ser um agente libertador. Sem dúvida nenhuma que escrever é ser livre. O tempo da censura declarada faz parte do passado embora por vezes parece que ainda pairam por aí alguns fantasmas. mas "exorcizar os seus demónios" pode ser doloroso na medida em que implica lidar com eles mais uma vez e é por isso que eu cito o cansaço do acto de escrever. Obrigado pelo teu comentário.
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