sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Eu Al Berto e o pouco que escrevo





Entro no escritório e fecho a porta. Deixo-me estar sozinho algum tempo. Ligo o computador. Espero alguns minutos enquanto o computador inicia. Entediado espero sentado na cadeira. Por momentos olho fixamente a porta fechada. O mundo a sua humanidade e a falta dela ficam lá fora. Ficam do lado de fora da porta. Para lá da porta e para lá deste apartamento.

Abro uma folha de word como se abrisse uma garrafa de vinho do Porto. Estou pronto para digitar símbolos que são letras, códigos de uma escrita perceptível. O código é a língua Portuguesa acessível a todos. Escrevo sobre tudo o que quero sem qualquer vergonha da dignidade das minhas experiências. Algumas vividas na primeira pessoa. Outras bebidas da boca de outros. Deleito-me observando, admirando, perguntando, sem julgar numa atitude quantas vezes passiva, quase de submissão. Escrevo em Português mas nem todos os portugueses entendem a minha escrita. Alguns riem numa demonstração clara de não indiferença. Satisfaz-me o riso como me satisfaz a crítica.
Escrevo com a pureza cristalina da mente num registo próximo da loucura. Não penso as palavras que se tornam depósitos espontâneos do momento presente. Um momento que pouco vale perante a imensidão do passado e pela incerteza do futuro. Escrevo próximo do fim da humanidade. Uma humanidade moribunda que no final da história morrerá para renascer. Por via da escrita cresce subitamente uma humanidade que é Vénus no céu limpo da noite.

 No pouco que escrevi procurei uma explosão de amor pela vida. Abro-me democraticamente aos outros ouvindo ás vezes por pura diversão. A explosão ainda não sucedeu no pouco que escrevi. Seria uma libertação perfeita do fluxo que existe na minha mente. Não aconteceu talvez porque ainda não aceitei como verdade absoluta a perda eterna. Como não aceitei ainda a morte do Al Berto.
Olho de novo para a porta e quase que consigo ver Al Berto cheio de medo a vaguear pelas ruas frias e desertas na alvorada. Al Berto á procura de um movimento mais próprio do amanhecer. Cansado de melancolia nocturna. Al Berto também escreve pouco porque prefere viver. E vive muito. Vive muito e escreve pouco. Mesmo vazio de palavras mudas. Mesmo morto. Al Berto desfigurado como eu. Vou ao espelho e vejo por baixo da mascara em carne viva. Em carne viva a minha face.

 Por isso gosto pouco de escrever, porque me cansa e porque me liberta em simultâneo. Porque gosto muito de viver. Porque vivo sentindo as coisas. E porque não tenho pejo em partilhar a minha verdade mesmo que adornada de loucura. Mesmo quando a verdade é apenas uma imaginação ou um suspiro. Ou um cheiro, uma textura, uma sensação, uma cor. Mesmo se a verdade for uma mentira inventada á pressa pelo desejo de interromper o trago azedo do monótono. Mesmo que tenha de adulterar as imagens. Assim agarro as imagens sossegadas. Toco-as e retoco-as. Sem pensar.


Juan Perez Gonzalez,

Diário - 3

12 de Outubro de 2012

Vila Nova de Gaia

2 comentários:

  1. "Escreve pouco porque prefere viver" Na verdade, escrever não é viver. Às vezes escrever é o que permite viver, porque quem vive acordado, tem de ter um lugar e um tempo para exorcizar os seus demónios, sob pena de sufocar em si mesmo. Escrever é ser livre, Filipe. Bjinhos

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  2. Concordo inteiramente contigo Ariana. O Homem que "vive acordado" carrega um fardo, o conhecimento. A escrita pode ser um agente libertador. Sem dúvida nenhuma que escrever é ser livre. O tempo da censura declarada faz parte do passado embora por vezes parece que ainda pairam por aí alguns fantasmas. mas "exorcizar os seus demónios" pode ser doloroso na medida em que implica lidar com eles mais uma vez e é por isso que eu cito o cansaço do acto de escrever. Obrigado pelo teu comentário.

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