terça-feira, 16 de abril de 2013

Procuro o Leão no quarto deserto


 
 
 
 
Procuro o leão no quarto deserto,

Perdido que estou na fertilidade da imaginação

Que me pergunta pelo medo que tinha,

Olho à minha volta e deleito-me

Com o silêncio desta doce melancolia

Que sobrevive aos apelos do êxtase.

 

E o leão não aparece, e o medo foi rasgado,

Mastigado e engolido pelo último,

Extinguiu-se, já não o encontro.

Que faço eu aqui se perdi o grito do medo

Que me protegia dos fantasmas que empalidecem

A pele e tornam a coluna vertebral numa curvatura de cifose.



Assim sendo faço mais um furo no cinto

Que me segura as calças tão usadas

Que perderam o azul,

Enquanto esperam pelo balde do lixo,

Para depois serem trocadas por outras.

 

Prefiro as calças usadas e dou-lhes mais algum uso,

E dou-me mais uma oportunidade

De me agarrar a alguma coisa,

Porque o desejo de ser ninguém foi abalado

Pela certeza da terra

Que será a minha última e derradeira

Morada.

 

Resta-me a tristeza do ferro velho,

A alegria do amor que me mastiga,

A esperança dos meus doentes,

A empatia para conhecer outros deuses, os meus amigos,

Familiares,

Poetas mortos,

Poetas vivos sem expetativas

Da cor das palavras

Em que naufragam

Os seus sentimentos,

Os seus olhos, ouvidos, e máquinas de escrever vintage

Entre outras raízes que penetram o solo,

Desta amargura

Tremendamente

Passageira que significa, nem mais nem menos

Do que um intervalo de mim,

O intervalo que eu rejeito,

Porque se perde na falta de raça

Que prefiro bem longe da minha fome de isenção impossível.
 
 
Irreversível.
Filipe Cunha,
16 de Abril de 2013,
Vila Nova de Gaia

Sem comentários:

Enviar um comentário